5.30 da manhã ou da noite

Há momentos em que o corpo e a alma andam de candeias às avessas. Proclamam-se como regiões independentes e autónomas. O dia começou pelas 5.30 da manhã, ou da noite, depende da vontade do relógio biológico. O alarme soou, o corpo levantou-se, mas a alma permaneceu em paz, deitada. O frio e a humidade despertaram o corpo que reclamava não ter ficado a fazer companhia à sua alma. Cá fora, a noite tentava despedir-se, mas era o som dos altifalantes do Festival que lhe lembrava o seu compromisso com o fuso horário. O corpo caminhava com um sentido e um propósito, tal como a alma permanecia esticada e imóvel mas noutro sentido e noutro propósito. Corpo erguido, anestesiado, alma estendida, desperta. No instante seguinte, a alma clamou pelo corpo, chamou-o e virou-o para o epicentro daquele momento. Um casal cruzava o caminho. Ele e ela, com corpos na casa das seis dezenas, passos acelerados e mãos entrelaçadas. Seguiam na direcção dos transportes, cada um com uma mala na mão. Ele com vestes claras e descontraídas e ela  de vestido castanho escuro e cabelo amarelo. Mas foram aquelas mãos e aquele passo apressado que me despertaram o corpo. Após tantos anos, ele e ela continuam a caminhar juntos, com as mãos dadas, protegendo-se um ao outro, nos momentos bons, nos maus, nos apressados, nos corriqueiros, nos banais... ou, provavelmente, todos os seus momentos são especiais e preciosos. O meu corpo despertou e a alma anestesiou.

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