A noite em que partilhou o amor

Bárbara já ultrapassou a barreira das oito dezenas de primaveras. Caminhou-as sempre em terras secas e áridas, no meio do Alentejo. Até ao dia em que conheceu o seu António. Um homem que namorou sete anos a mesma moça e que, no final desse tempo, encontrou o amor eterno em Bárbara. 

"Travámos conversas, mas a minha maior preocupação é que ele nã tivesse deixado dívidas com a moça. Ê perguntava-lhe ... Vomecês tiverem juntos tantos anos, tu nã deixas dívida nenhuma com o moça?!"

Namoraram pouco tempo. Marcaram a boda para um domingo. Na quinta-feira anterior deram o primeiro beijo ("piqueno") na boca.

"Mas a nôte más feliz par mim, foi a do casamento! Ai que bonita nôte!"

Todos imaginamos o porquê, mas com apenas um beijo dado o que teria acontecido naquela noite feliz...

"Atã, o mê António pôs-se todo nú à minha frente!!!"

E ti' Bárbara... como reagiria ela?

"Atã e eu 'tava maluca naquela nôte e despi-me tamém! Foi a nôte mais feliz da minha vida. Ném tive vergonha nenhuma. Ai foi tã feliz. Até qu'o mê António foi p'a Moçambique e disse que ê tinha que ficar cá com os dois gaiatos. E ê nã queria. O mê António só me dizia que eu lá nã conhecia ninguém e era mesmo por isso qu'ê queria ir, para conhecer mais coisas do mundo, néi?! Mas olhe, nã fui. E quando ele me voltou de Moçambique encontrou a morte pouco depois. Atã nã podíamos ter namorado mai um bocadinho?!"

Bárbara ainda hoje recorda, depois de muitos dias de mau trato pela vida e pela fome, que o dia mais feliz da sua longa vida foi a noite em que partilhou o amor, pela primeira vez, com o corpo do seu marido. Que o seu corpo se destapou para aquele homem, sem vergonha. Que a partir desse momento nada mais importava do que descobrir a dois. 

Hoje, os filhos, acusam-na de ela estar a ficar desmemoriada e de baralhar muito as histórias. Até pode baralhar, juntar, misturar, mas esta, ela conta-ma sempre com as duas mãos agarradas uma à outra, colocadas em frente ao seu peito, com os olhos vidrados em água e com a mesma saudade. E eu acredito nela.

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