Os ponteiros do relógio



Os ponteiros marcavam o presente mas os meus olhos apontavam para o passado. O tempo apontava-me para o passado. 

Um dia sentei-me no presente, baixei os braços e tirei-o do pulso. 

O passado ficaria para trás, o presente ganharia uma companheira. Deixaria de haver horas, minutos, segundos e dias de calendário do passado.

Senti-me aliviada. Deixaria de viajar ao passado de cada vez que tentara situar-me no presente. 

Deixei o relógio de ponteiros num saco que armazena alguns objectos antigos, coisas do passado. Ali juntar-se-ia a um lugar, num tempo, onde não se volta. 

Segui caminho. Era tempo de atar o passado e de me soltar no presente.

Passaram exactamente quinze minutos (neste lugar) quando me apareceu (neste tempo) um relógio sem ponteiros. Um relógio que não me deu horas de passado, nem presente. Estava em branco. Fiquei feliz. Nada é por acaso. Um relógio sem tempo, sem ponteiros. Levei-o ao relojoeiro para que o analisasse. Voltaria a marcar algum tempo para além do que marcou há vinte anos? Ganharia uma companheira presente? Deixar-se-ia olhar e no seu vido ver-se-ia um sorriso? O homem voltou. "Impecável, estes relógios nunca se avariam!". Quase chorei. Um relógio que faz parte de uma memória feliz do passado, voltava a dar-me vida no presente.  Mal sabia o homem que sim, que aquele Tempo nunca se avariou.

Sentei-me no passado, levantei os braços e agarrei-o ao pulso. 

Agora, de cada vez que tentar situar-me no presente, bastará olhar para este visor passado, pois o tempo deixou de me conseguir apontar...

As memórias constroem-se com histórias presentes e limpam-se com o passar do tempo.


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