No Cancioneiro todos os dias são O Dia Mundial da Poesia... há 23 anos
Hoje é dia de Cancioneiro Infanto-Juvenil para a Língua Portuguesa. Um projecto que foi criado por um poeta, que acredita no poder da poesia, que mantém as pessoas agarradas à força das palavras, que existe há 23 anos e que nunca deixou de acreditar que, a poesia deve fazer parte das memórias que recolhemos da nossa escola, da nossa vida.
Somos unha e carne e aqui vos deixo uma mensagem dele (já lida noutro mundo de encantar: as palavras andarilhas) aliás, o título veio mesmo da provocação da Cristina Taquelim (mulher algarvea na sobrancelha, alentejana no canto e do mundo nas palavras e nas acções)...
"Porquê o Cancioneiro numa escola
sem poesia?
As paredes de uma escola são memórias. Memórias pintadas,
memórias fotografadas, memórias escritas, memórias atraiçoadas pelo corretor,
boas memórias que nos elevam o peito, memórias que preferíamos que o coração
não as tivesse, memórias de um cheiro
que se mantém apesar das guerras entre um giz, um marcador de álcool ou um
quadro interativo... é a memória do cheiro, cheiro a gente. Gente viva, que se mexe,
que é curiosa, que é pura, que quer receber, que precisa de dar, que precisa de
verdade, que precisa que o seu primeiro olhar seja dirigido a si, como nos
lembrou o Bartolomeu aqui em Beja. Gente que se vai construindo à medida e à
imagem daquelas paredes, e do mestre que tem à sua frente. Não encontro outro local
tão apropriado à presença da poesia, ou melhor, um local onde ela fique tão bem
guardada na memória. E quando falo em poesia, refiro-me não só à sua leitura,
escrita, toque, som mas também ao que ela implica e envolve.
A poesia implica:
um mestre que tenha o olhar dos seus alunos como porto de
abrigo, e que o seu olhar também signifique o mesmo
... que esteja disponível a levantar o peito com um suspiro
de ar quente, diante dos seus alunos
... que ganhe Tempo nos silêncios,
... que saiba, tal como a Sara (3 anos) que o silêncio é o
barulho baixinho
... que tire o silêncio ao Tempo, na hora certa
Implica um mestre que construa na sua sala castelos, navios,
florestas, baloiços
... que saiba que debaixo dos tacos da sua sala poderão estar
escondidos dragões, moedas de ouro, pedras mágicas, pós de encanto
... que consiga ter sempre espaço no seu colo
... que consiga ter uns braços tão grandes como os do avô da
Teresa (3 anos) “O avô é uns braços muito grandes que diz: anda cá
minha netinha!” ou como os do pai do Cláudio (4 anos) “Eu faço magia quando
abraço o meu pai”
um mestre que esteja em constantes trocas e baldrocas com a
sua mente e o mundo e que se pareça como o pai do Ricardo (6 anos) “O meu pai é
tão giro parece um comboio deitado”
... que tenha as mãos do João (5 anos) que “... servem para
amar... as mãos não servem para magoar”
... que, tal como a Ana (5 anos) “quando está contente até
parece que o corpo se ri de contente! E quando está triste...o corpo fica todo
mal enjorcado”
Um mestre que consiga ver que “os homens estão a martelar nas
ervas”, tal como o João (3 anos), que “a verdade e a mentira, são tudo
mentira”, como viu a Cláudia (3 anos), que “o nevoeiro é o frio a fazer fumo e
a dançar”, como viu a Tânia (4 anos), que “morango é sabor a encarnado”
como saboreou a Sandra (4 anos). Um mestre que quando ensina o ciclo da água
permita que o seu aluno lhe diga que “as nuvens estão a chorar porque o sol não
lhe abriu a porta para elas entrarem” ou que saiba como o João (3 anos) que a
chuva mora nos buracos lá em cima nas nuvens”. Um mestre que saiba que a noite
é uma mulher, como sabe a Mª João (4 anos) e que o “se o sol desaparecer ele
cai e temos de o apanhar e pô-lo no
sítio, lá no tecto onde ele estava”, como sabe a Carla (4 anos). Um mestre que
quando fale de estrelas, constelações e planetas também saiba que “as pedras
são as estrelas do chão e as estrelas as sardas do céu” como sabe a Cláudia com
4 anos. Que saiba, como o Gustavo (4 anos) que “quando o ar cheira bem é porque
os astronautas no espaço estão a comer rebuçados”. Um mestre que saiba que ”a
lua está a tirar uma fotografia à noite e que o sol está na rua a pintar
papel”, como sabe o Bruno (2 anos) ou que saiba, como a Ana (5 anos) que o
trabalho das estrelas é a noite, a passar a ferro. Implica um mestre que ensine
os tempos verbais com um “presente” que seja um “partilhar”, um “futuro” que
seja um “caminhar” ou um pretérito perfeito como o da Maria e da Violeta (8
anos) “Eu pensei que o Mateus viesse
para o meu quarto/ Tu imaginaste que tudo era possível / Ele sonhou que ia
viajar nas nuvens com um anjo / Nós pensámos voar como os pássaros / Vós
imaginastes um palácio / Eles sonharam ler muito num dia de sol na Primavera”. Implica
um mestre que ao falar das profissões saiba o que o Miguel (4 anos) quer ser
quando for grande “... um pensador para rimar com as palavras!” ... que guarde
os beijos dos seus alunos no bolso. Um mestre que continue a ir para a sua
sala, todos os dias, e que saiba como a Ana (3 anos) que vai “para a escola
aprender a sonhar”.
Como mestres que somos, resgatamos os maiores valores da
humanidade para as nossas salas na esperança de reorientar a sensibilidade, o
amor, a partilha, a harmonia, o saber, o respeito, o sentir.
É o mestre que terá de guiar o que é mais natural nos seus
alunos, o olhar como se fosse sempre a primeira vez, e não deixar que a poeira
dos dias tapem o brilho desse olhar.
Poesia é estética, sensibilidade, emoção, espaço de liberdade
, apuramento de sentidos. E se toda a escola se quer humanizada, temos diante
de nós um projeto que dá sentido às emoções que se colam nas palavras das
crianças, jovens e adultos. A começar no jardim da infância onde todas as
flores brotam da terra, passando pelo 1º ciclo onde o corretor se torna
ameaçador e terminando no fim de uma vida, onde tudo o que é desejado é voltar
a ter o olhar da criança."
Todos os meninos que aqui "falaram" estão connosco no Cancioneiro há muitos anos e eles são os verdadeiros poetas!
Tão bonito...
ResponderEliminarPermite-me realçar as abaixo, não porque as considere mais bonitas que as outras. Só porque me comovem mais...
"o nevoeiro é o frio a fazer fumo e a dançar"
"as nuvens estão a chorar porque o sol não lhes abriu a porta para elas entrarem”
"as estrelas as sardas do céu"
“quando o ar cheira bem é porque os astronautas no espaço estão a comer rebuçados"