Um verde fluorescente

Ainda do dia de ontem...

O Quintas estava animado e calmo. Os manos vieram buscá-lo e ele não quis sair, preferiu acabar o trabalho que eu tinha proposto.
A turma tinha regressado de um passeio e estavam todos comigo. E todos são muitos. E muitos ao final do dia são o caos. Mas a surpresa foi que eles não estavam em estado eufórico ou de campo de batalha, eles, mas em especial um elemento do grupo, que colecciona queixas dos professores, repetente, mal educado, ofensivo para com todos. Estranhei-o mas aproveitei a sua calma para dar início à actividade. Hoje íamos explorar a história "Come a sopa, Marta!" (da Marta Torrão, ed. O Bichinho de Conto). Começámos "a viagem" e ele continuava sossegado, de queixo caído a olhar para mim - até podia ser amor, mas por norma ele demonstra-o com murros, palavrões, saídas sem autorização, etc. . Numa parte da viagem literária tive de parar e sussurrar-lhe ao ouvido "Estás bem?". Já não aguentava mais aquele comportamento "estranho". Todos eles sabem que sou intransigente nas paragens das histórias. Todos eles sabem que se eu paro é por alguma razão Muito Extraordinária. Todos eles sabem que há hipóteses de o herói da história morrer se nós lhe pararmos a vida. Aquele momento era Extraordinário. Teve de ser, nem eu estava na história, nem a história estava em mim... Sussurrou-me ao ouvido "Tenho fome, Professora. Ainda não lanchei e não tenho cá o lanche."
O meu ar de espanto era semelhante ao tamanho da fome dele. "O quê?! Com fome? Sempre soube que é impossível ensinar a quem tem o estômago vazio, mas tu com fome ficas assim?! E nos outros dias, é excesso de açucares no sangue?!" Turbilhão de pensamentos entre o meu Tico e Teco.
Como nada é por acaso, ontem tinha levado lanche porque iria chegar tarde a casa. Discretamente ofereci-lho e pedi-lhe que o comesse sentado. Comeu. Eu fiquei à espera do "estalo de energia" dado pelo bolinho de arroz que ingeriu...nada. Escutou, trabalhou, responsabilizou-se pelo material, obedeceu à regra de trabalhar com amor, investiu e passou uma hora assim... Na auto-avaliação disse merecer uma "bola amarela" (por norma tem a vermelha="Fiz tudo errado nesta aula"). "Amarela porquê?!" perguntei eu. "Atão Professora, é bom não é?!", "Pois, comparado ao teu passado é Muito Bom. Mas hoje não vais ter amarelo, vais ter verde pela primeira vez. E fluorescente! Obrigada por estares com amor. Beijo na minha bochecha."
Arrumar, sair e continuar atônita... "Seria da fome? Eu fico irritada com a fome. Seria cansaço? Eu fico irritada e com olheiras, com a fome. Seria mesmo a falta de comida no estômago?!" Às vezes há comportamentos estranhos que nos surpreendem tanto pela positiva!

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