Os mês meninos d'oiro, ou, do dia do Planeta do Amor
Depois de um ano lectivo, a começar de forma muito dorida e a manter-se com muitas pedras no caminho... o final quase à vista.
Para quem é professor o ano passa a ser o lectivo, e não o civil. Regemo-nos de Setembro a Junho com os nossos alunos. O Julho serve para avaliar, reflectir, repensar, reorganizar... tudo no final das forças.
Hoje, com muito orgulho, uma das minhas turmas apresentou o trabalho de final de ano. A meio do segundo período começámos a construir uma história, e foi essa mesma que apresentámos hoje. Não tenho jeito para encenação ou figurinos, nem tenho jeito para "crianças-marioneta" em palco. As minhas produções são sempre a apresentação de uma história. A deste ano foi especial. Uma turma com 2º e 3º ano, alguns repetentes, e muitos que foram desistindo a meio.
Hoje eram somente oito no palco. Mas com todo o trabalho feito. Elas, zangadas porque não estavam pintadas, arranjadas, trajadas... eles, (dois) nervosos. A história chama-se "O Planeta do Amor". Começámos com brainstorming, passámos por vários rascunhos, imposições, cedências, mapas, nomes, poderes, mas uma coisa era certa: o título. E é tão bom ver um título destes numa escola de contexto TEIP. E não, não estou a ser poética. Estou a ser tão verdadeira como a carne é para osso.
Basicamente, Zérbio Verpito* é o herói da nossa história e busca uma fórmula para encontrar a paz no mundo. E encontrou. Passou pelos vários países onde se encontrava a sua família** e a todos perguntava a solução. E todos*** sabiam exactamente o que fazer:
" ... - Sim, eu ajudo na paz! – disse a mãe
C.
- Eu também ajudo na paz!
– disse a prima D.. E por fim o amigo D. disse:
- Eu ajudo no amor!
Zérbio ficou feliz e disse que assim iam
ajudar de certeza. Para isso tinham de ter o poder mágico da amizade. Esse
poder estava guardado numa pedra do vulcão da ilha do Fogo. Se cada um tivesse
um pedaço desta pedra em casa, todos os habitantes das ilhas ficariam amigos e
acabar-se-ia a guerra. Os três habitantes das ilhas começaram a distribuir as
pedras vulcânicas por todos os cabo verdianos."
" Zérbio a seguir voou até Angola onde
encontrou a sua tia I.. Pediu-lhe um conselho para acabar com a guerra e
esta disse-lhe:
- Sobrinho, dou-te um conselho. Também já
tive guerra onde eu morava e pela minha parte eu dei esse conselho: o
Presidente vai mandar uma carta para todas as casas, para toda a gente se
reunir num local sagrado. No Embondeiro que está no quintal do senhor Santos,
no Zango 4. Depois lá, vão beber uma poção mágica feita do fruto do Embondeiro,
que a todos vai dar o Amor e a Paz."
"Zérbio ficou feliz e voou até à Guiné, terra
das grandes florestas. Lá encontrou a sua irmã, V..
- V., preciso da tua ajuda para
encontrar a paz no Mundo, podes ajudar-me? disse Zérbio. A Vininha
respondeu-lhe:
- Sim, eu tenho uma solução. Se eu ensinar os
outros a trabalhar, toda a gente vai ter comida e dinheiro, e assim viver em
paz."
" Zérbio continuou a viajar. O nosso herói foi ter com o seu pai C. e
explicou o que se estava a passar. O pai acalmou-o e disse ter a solução para o
seu problema.
- Filho, eu acho que o
ideal é nós sermos amigos dos angolanos e dos chineses porque eles agora estão
cheios de dinheiro e esquecem-se que o importante na vida é o amor! - disse o
pai de Zérbio."
"De seguida, ele foi ter com a sua amiga K.. Ela era professora em Inglaterra e disse a Zérbio:
- Eu sou professora e a melhor maneira de
fazer a paz no mundo é ensinar os meus alunos a serem bons. Depois eles ensinam
a família e os amigos a serem bons também. E assim todo o país fica em paz.”
"Zérbo ficou contente com as decisões e voou
até junto da sua avó C. que estava no Brasil. Quando lá chegou estava toda
a família daquele país, reunida num jardim, em Guarulhos. Todos deram a sua
ideia:
- Vamos lançar uma música de capoeira para
todo o mundo e esperar que esta guerra acabe, estando toda a gente a dançar!"
"Zérbio chamou para junto de si, em Portugal,
toda a família. Só faltava falar com a sua tia S.. Esta disse-lhe:
- Para haver paz no mundo Zérbio, é preciso
que todos sejam amigos, e que os que fizeram maldades peçam desculpa aos
outros.”
"Todos juntos foram até Aveiro ter com os seus
amigos N. M. e V.**** . Só com todos eles juntos é que o poder da amizade
funcionava. Fizeram uma roda à volta da casa do Noé, deram as mãos e gritaram
bem alto:
Vitória, vitória acabou a guerra da nossa história!"
O mais curioso foi que a história foi terminada no dia em que os nossos corações deram uma volta de 180º na escola. O mais curioso foi ver o empenho de alguns alunos mais negligentes. Um empenho impressionante. E não, nem sempre, mesmo fazendo o que é do seu interesse, eles se empenham.
Estou para perceber a que se deveu, será que foi a mensagem? A construção de tudo? À idade em que estão? À nossa relação (eram poucos e por isso quase tratados como tratamos a família, numa espécie de aposta visceral)? Só sei que não foi graças à mega produção cénica, nem de figurinos ou som.
Sim, muito orgulho, em acabar o final do ano assim... a guardar as pedras na margem do rio para com elas construir o castelo (F.Pessoa). Hoje o nosso planeta ficou certamente mais quente e aconchegado.
* nome inventado com a selecção, ao acaso, de peças do Scrable
** países de origem dos alunos ou família (Cabo Verde, Guiné, Angola, Inglaterra, Portugal, Brasil)
*** alunos e posteriormente personagens
**** alunos que abandonaram a turma durante o ano lectivo
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