A Ilha Administrativa

Felizmente que hoje, e somente hoje, tive pela primeira vez a experiência de ir a uma consulta num hospital público, em Lisboa. Depois de uma longaaa espera (cerca de quatro meses) hoje, eu e o Araújo, íamos finalmente ser apresentados. A maior surpresa foi aquela que já não é surpresa, ou seja, os sentimentos à volta da ida a um sítio destes. Depois de subir uma encosta bem inclinada e escorregadia, cheguei à entrada a arfar que nem uma cadela e com os pulmões quase num saquinho à parte - felizmente o tema do consulta não era o respiratório... a primeira prova estava superada! Etapa seguinte: descobrir que senha tirar para ser atendida. Ora, na maquineta estavam três tipos de senhas - A (gabinete 4 a 8); B (gabinete 10 a 14); C (gabinete (20 a 24) e mais um aviso de troca de senhas e de horas que eu tentei ler duas vezes, mas que, confesso, deixou a minha literacia publicitária cair por terra. Aqui a dúvida era: em que raio de gabinete me enquadro eu? Se estivesse lá um de "Turista" eu aceitava mas nada... Por exclusão de partes tiro as três e respondo a todas. Segunda prova superada! Terceira prova: não ficar sensível à nuvem negra que pairava em cima da "Ilha administrativa". Fazia lembrar a Terra do Nunca mas apenas com os maus da fita. Pouco faltava para as senhoras sacarem das suas pernas de pau e dos seus ganchos e, dedicarem-se a pendurar nos postes os que por ali atracavam. "Um cenário cheio de figurantes" era o que parecia. Todos tão bem escolhidos. "Salta daí", "Vai tu", "Grrrrrr"... foram algumas das expressões que eu ouvi serem faladas por entre os habitantes daquela Ilha. O meu momento chegou, eu levantei-me - qual cristão a caminho das feras - e sorri para ela, como se esta se tratasse de uma Fada. Resultado: "Boa tarde ...7,75€, suba as escadas e aguarde que a chamem." Terceira prova superada: senha certa (pois pudera!) e contacto estabelecido com os nativos da Ilha, sem incidentes de maior a serem registados. Próxima etapa: a espera. Um corredor com várias cadeiras de um lado e de outro. Duas portas em cada um dos lados. Uma das portas assinala "gabinetes 33 a 50", a outra nada. "Ora bolas... então e se me chama para o 4, ou para o 20? Por exclusão de partes deve ser a que nada tem escrito... aguardemos então". E aqui o cenário era matemático! Podíamos ter ali vários grupos diferentes que, devidamente agrupados, transformar-se-iam em dois grandes conjuntos. Conjuntos estes que, imaginando-os em círculo, tinham também ali uma grande zona de intersecção. E quais eram estes dois grandes conjuntos? O dos que não estavam lá pela primeira vez e como tal, adormeciam, tomavam os assentos como cadeiras lá de casa, traziam longos novelos de fios de crochet, vários jornais, etc. Estavam em casa. E o outro grande conjunto, o das pessoas que pareciam burros a olhar para palácios - eu e mais uns três. A expressão de quem chegava pela primeira era equivalente à de alguém que sai de uma massagem ou de encontro paradisíaco, chega ao carro e este foi-lhe bloqueado pela Polícia Municipal. A luz no rosto passa a escuridão mais rapidamente que os 100m do Bolt. Este conjunto de pessoas mantém-se indignada o máximo de tempo possível, até que o calor presente no corredor os aniquila e faz passar ao outro conjunto. Vão chegando pessoas de um conjunto e de outro e as intersecções vão mantendo-se: a espera. Naquele cenário matemático havia um elemento que se destacava. Uma senhora, com as suas largas dezenas de anos que contava anedotas e piadas do neto. Ria que se fartava. Fazia rir os outros (menos a filha que estava envergonhada até à ponta mais espigada do seu cabelo). A senhora, uma verdadeira potência, um algoritmo dos mais desafiantes, terminava todas as anedotas e piadas dizendo: "Safa, não posso é dizer isto alto porque vem aí o Coelho e prende-me!". Era ela que sacudia a nuvem negra daquele corredor. Entretanto, e passadas algumas dezenas de minutos, o Araújo chama-me. Finalmente, passados quatro meses! Quarta prova superada! O Araújo é um médico novinho, de nariz grande, que trata dos narizes e das gargantas das pessoas. Tratou-me bem, reflectiu no diagnóstico e deu-me o seu veredicto. Eu aceitei-o e marcámos um encontro lá para o Verão. 5***** para o Araújo. Quinta prova superada! Próxima etapa, descer a rua inclinada e escorregadia sem levar os dentes ou o nariz ao chão e rezar para que o Parque de Estacionamento (sem Via Verde) tivesse Multibanco. Tudo correu bem com o nariz e os dentes, mas com o Multibanco não. Faltavam-me 5 cêntimos para o total da quantia. Multibanco com ela. Volto. Coloco a nota (10 euros) e diz que somente acima de 4,40€ é que me a aceitam. O meu total era de 4,15€. Arghhhhhhhhhh. Rasgo a nota? Deu-me vontade! Gasto 25 cêntimos de tempo? Nem pensar, chulos destes Parques. Saio novamente para trocar a nota em duas de 5 euros. Entro. Coloco o bilhete. "Valor total 4.40€"........... Sabem que imagem tive? Aquela das máquinas com as pulsações cardíacas que deixam de ter o risquinho verde a subir e a descer, e passam a ter uma linha contínua tiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii........ 

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