Trovoada

Medo, medinho, cagunfas, miáufas, cagaço... é tudo isto que sinto pela trovoada. Nunca me educaram a apreciar a sua beleza, antes pelo contrário. Nos dias em que os Deuses nos querem tocar de perto, e fazer faísca connosco, lembro-me de um episódio na casa da minha avó paterna...
A família reuniu-se numa só divisão da casa. A cozinha da Albertina era em forma rectangular. Num dos lados havia a porta e, mesmo em frente, uma janela. Um dos cantos tinha a lareira acesa. Naquele dia a chuva caía sem parar. Parecia que os Deuses choravam a perca dos seus filhos.  Eu, o meu irmão, os meus pais, umas tias e a avó Albertina estávamos todos sentados, na espera da calmaria dos Deuses! Cá fora raios, trovões e cantaros de água. Todos aguardávamos quase em silêncio. De cada vez que um raio rasgava o céu, a nossa pele diminuía de tamanho, de tanto se encolher. Na altura da trovoada, havia uma série de procedimentos a cumprir para que nenhum raio nos atingisse. Tínhamos de ter estas cautelas, estávamos isolados no meio de campo, entre árvores, e vários eram os relatos de pessoas mortas por um raio em fúria. As regras eram: desligar televisões e rádios, não andar na rua, não olhar para a trovoada, desligar as luzes, não utilizar o telefone, rezar, rezar, rezar muito a Santa Bárbara e, no caso desta casa, deixar a porta e a janela abertas. Eu achava que aquilo era o convite perfeito à entrada de um raio na nossa casa, mas eles eram os adultos e eu confiava. Certo é que, nesse dia, um Deus coscuvilheiro não se fez rogado e entrou. Lembro-me de ouvir o estalar do céu e, em simultâneo, ver uma luz a entrar pela porta e a sair pela janela. A família congelou, depois berrou e logo a seguir chorou. Na altura explicaram-me a sorte que tínhamos tido. Não é todos os dias que se escapa a um raio ou a um corisco. Fui crescendo e o medo por ela também. 
Já quando estava grávida e acampava de baixo de uma árvore, os Deuses também se enfureceram. Nessa noite caiu uma daquelas tempestades de verão. Eu só pensava que estava de baixo de uma árvore e não podia sair dali. Fechei os olhos, tapei os ouvidos com a almofada (há quem acampe com almofada, sim), pedi desculpa ao meu filho e passei o resto da noite a cantar/gritar. As pessoas à minha volta não se queixaram do ruído, ou se calhar foram simpáticas.

Desde cedo que tenho o tal medo, cagunfas... dela. Detesto-a. Tenho medo. Muito. Hoje, para não correr o risco de me virem bater à porta, pedi ao Jorge Palma para passar cá por casa. Ele veio. Alto e bom som! 

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